Tavapensandoaqui no meu pé
esquerdo. Eu também penso no pé direito, mas nesse caso a tira do chinelo que quebrou
quando eu peguei meu almoço no restaurante a quilo, foi a que fica na parte interna
do par esquerdo. Como está fora de cogitação processar o fabricante do chinelo
por propaganda enganosa, minha preocupação passou a ser como eu voltaria para
minha casa com um pé de chinelo inteiro e outro quebrado. Afinal, eu estava bem
à vontade com bermuda e camiseta, mas a região é comercial e várias pessoas
estavam lá almoçando. Atrás da mesa onde eu estava, inclusive, rolou “Parabéns a
você” cantado pela turminha de trabalho que almoçava junto. Assim que acabei, levantei-me
sem dar mancada, quero dizer, mancando um pouco, disfarçando e pressionando o
chinelo esquerdo contra o chão, conseguindo assim leva-lo até a saída do
restaurante sem levantar suspeita. Paguei a conta. Eram quase uma da tarde de
um dia de calor nublado. Quatro quadras me separavam do meu endereço. Comecei a
me deslocar pela calçada, pé esquerdo equilibrando o chinelo quebrado. Senti o chinelo
desviar-se da direção reta várias vezes e percebi a temperatura morna do chão
da calçada com a parte da sola do pé que ficava para fora do chinelo. Passei
pelo ponto de ônibus sem levantar suspeita. Perto do final dessa primeira quadra
eu tirei o chinelo do pé e comecei a andar com ele na mão, como quem tenta
fazer um ajuste para voltar a calçá-lo. Nessa esquina tem um semáforo que
estava fechado e vários carros estavam parados. Dobrei a esquina antes de
atravessá-la e mantive a pose, sem que ninguém olhasse para mim. Pensei que
seria julgado pelos motoristas que esperavam a abertura do sinal. Fui andando,
mexendo no chinelo. Olhei para um motorista, ele olhava seu celular. Outro
olhava o painel do carro. Outro conversava com o carona e outro não estava nem
aí. Passei para a terceira quadra, com o chinelo na mão, simplesmente. Cruzei
poucas pessoas que passaram sem me dar bola nenhuma. Passei por calçadas com pisos
ruins e umas tinham um tipo de cimento cheio de pequenas relevâncias, o suficiente
para incomodar o meu pisar com o pé descalço. Pensei no desconforto dos pobres cachorrinhos
que passam por ali. Ao chegar ao prédio onde moro, sem que ninguém tivesse dado
a mínima importância por eu estar andando com um pé descalço, resolvi
cumprimentar o porteiro com a mão que segurava o chinelo, para causar nele a
curiosidade de perguntar “O que houve com seu chinelo?”. Após o meu aceno ele
voltou a olhar para dentro da cabine, seguindo sua rotina normal. Peguei o
elevador e me contive para não acenar para a câmera com o chinelo, para
registrar esse momento tão peculiar. Conclusão, ninguém está nem aí para o que
você faz na sua vida, cada um cuida da própria. Será? Tava pensando aqui...