Tavapensandoaqui na feira
livre. Toda terça-feira tem feira livre na frente do meu apartamento. Eu passo
a madrugada de terça escutando a batida das tábuas no chão, os motores dos caminhões
acelerando e dando marcha a ré e apitando aquela buzina de alerta. Escuto os
metais batendo uns nos outros, os martelos batendo nos pregos e os gritos dos
feirantes para montagem das barracas. Gostaria de ouvir os gritos dos feirantes
dando a martelada no próprio dedo, mas acho que eles têm experiência e não vou
ouvir isso tão cedo. Mas até acostumei. Com o tempo você acaba acostumando com
o barulho. Já morei perto da linha da máquina (linguagem santista que significa
ferrovia) no canal dois (em Santos as referencias são os canais) e no começo eu
escutava os trens. Depois não os percebia mais. Deve acontecer a mesma coisa
com quem mora perto de aeroporto. Quando temos feriado em São Paulo na
terça-feira e eu estou em casa eu costumo descer para a rua por volta das onze
da manhã para comer um pastel e um caldo de cana. Aprendi que nos feriados
algumas barracas não são montadas e muitas famílias ficam em casa e então o
pastel acaba mais cedo. Uma vez eu quis almoçar pastel e resolvi sair perto das
13h e não havia mais pasteis. Aprendida a lição eu agora saio antes do almoço e
como o meu pastel e o caldo de cana em forma de aperitivo antes de almoçar mais
tarde. Eu então procuro uma das barracas que estejam com uma mesinha liberada
para eu poder saborear com tranquilidade. Acabei observando o movimento e
lembrando-me dos tempos de criança. Era chato “demais” fazer feira com a mãe
para não dizer coisa pior. Os carrinhos de feira ainda existem. Quando eu era criança
esses carrinhos sempre encontravam os meus dedos dos pés e os meus tornozelos e
calcanhares. Não sei como não peguei tétano andando na feira quando criança.
Acho que era por causa da vacina que a gente tomava. Hoje existem os carrinhos fechados
e com rodas plásticas, mas ainda há outros mais velhos com suas grades e rodas
de metal enferrujado. As rodas enferrujadas presas com pedaços de arames sem
proteção ainda ameaçam os tornozelos das pessoas. Também existem velhos, quer
dizer, gente da melhor idade com sacolas que andam lentamente e param em frente
das barracas no meio da passagem interrompendo o fluxo das pessoas. Feirante
que berra o tempo todo sem respeitar o morador da frente da sua barraca também
continua a existir. Tem um feirante que quebra o galho de uma pequena árvore do
nosso prédio e não adianta pedir para ele respeitar a natureza porque o
indivíduo está pouco se lixando pela árvore e pelo patrimônio do prédio. Bom, quase
ao final da feira achei a mesa livre e sentei-me pedindo um pastel de carne.
Virei para o lado do caldo de cana e pedi o caldo de cana com limão. Ao meu
lado um casal de idosos chegou. A idosa se dirigiu para a barraca do caldo
falando para o idoso se ele queria guaraná, pois ela ia buscar. Quem toma
guaraná com pastel? Achei que a velha estava doida. Acertei. O velho retrucou
dizendo que queria caldo. Ela continuou dizendo então que ia pegar o guaraná e
deu as costas a ele. Ele repetiu que queria caldo. Ela continuou como se nada
tivesse acontecido repetindo que ia pegar o guaraná. Ele falava baixo. Ela
parecia surda. Eu quase interferi na conversa, mas estou me treinando para não
dar palpite na vida dos outros (creiam, é difícil). Até que ela se virou para
ele depois de repetir três vezes que ia pegar guaraná e ouviu que ele queria
caldo. Foi pedir. Chegou então o meu pedido. Peguei o copinho plástico de café
com molho vinagrete para colocar na carne do pastel. Na mesa tinha pimenta,
molho shoyu, mostarda, maionese e pimenta. Babei e passei a língua nos lábios.
Mas antes de comer e sabendo que o pastel estava muito quente eu tirei uma foto
para postar na rede social e fazer inveja para as amigas que vivem de regime.
Eu sou magro e sofro bullying dos amigos por comer essas especialidades “engordantes”.
Mal sabem os sacrifícios que faço para me manter na linha. Em seguida duas
senhoras chegaram e pediram caldo na barraca do caldo. Falaram para a mulher
que estava servindo que não a conheciam. Ela justificou que os proprietários
viajaram e ela estava ali para cobrir a ausência. Descobri que as barracas
podem ter donos alternativos de vez em quando. A terceirização chegou à feira
livre. No final de semana passado um amigo recusou comprar um apartamento
porque ficava na rua de uma feira livre. Ele defendeu a extinção da feira
livre. Disse que só faz sujeira, barulho e não cabe mais ter uma atividade
assim nos dias de hoje. Discordei. Defendi bravamente a manutenção dos
feirantes na vida da gente. Será que agi corretamente? Será que a feira livre
está com os dias contados? Tava pensando aqui...
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