Tavapensandoaqui no meu
falecido avô. Foi o único dos avôs e avós que eu conheci. Na certidão de
nascimento, uma segunda via que ele tirou depois de perder todos os documentos
num naufrágio na segunda guerra, ele foi identificado como filho de pai chinês e
mãe chinesa. Qual o nome deles? Não sei, jamais saberei. Posso ser herdeiro da
dinastia Ming ou o inventor do pastel e estou aqui ralando. Fui o primeiro neto
deste filho de chineses, nascido no Brasil, que foi casado com uma portuguesa. Tiveram
duas filhas, 5 netos. Ele morava com minha tia. Lembro que ele chegava todos os
domingos de manhã na minha casa em Santos trazendo cigarrinhos de chocolate da
Pan ou Diamante Negro. Linda época onde o politicamente correto não existia e
podíamos comer chocolates embalados como se fossem cigarros. Ele chegava
vestido socialmente para me levar a passeios no tobogã ou para andar de kart, ou
outro passeio qualquer pela orla de Santos. Até na praia ele andava com a calça
social e o sapato preto. Não tirava nem na areia. Ele conseguiu meu primeiro
emprego me indicando para auxiliar de escritório na empresa do patrão, que ele
era o motorista particular. Passado o tempo, eu passei a levá-lo no meu carro
para assistir meus jogos de futebol no domingo no clube. Ele era fã assíduo,
assistia sempre e torcia por mim. Nessa época por coincidência ele trabalhava
durante a semana como eletricista neste mesmo clube. Ele era um exemplo para
mim, de virtude e de contradição. Ele pedia uma coxinha no bar e o atendente
lhe entregava dizendo o preço. Imediatamente ele respondia: “não perguntei o
preço”. Outra hora pedia um cafezinho e ao pagar se indignava, dizendo que era
caro e xingando: “vocês são um bando de ladrões, isso é um roubo”. Diversas
vezes ele pagou pastel e caldo de cana na Praça da Catedral, para mim e minha
amiga, depois namorada, hoje mulher, pois nesta ocasião nos encontrávamos no
mesmo ponto de ônibus ao término do expediente. Velhinho, ele foi perdendo a
audição. Ele ouvia a música “isso me dá, tic tic nervoso, tic tic nervoso” e
reclamava que a música jovem era ruim, pois ele escutava o cara cantando só o
“nervoso, nervoso”. Quando ele e o irmão Jorge foram morar juntos, conta minha
irmã, uma vez eles saíram para pegar o ônibus e o irmão que enxergava mal,
pediu para ele, que ouvia pouco, indicar quando o ônibus para o Ferry Boat chegasse.
Meu avô indicou quando chegou o ônibus, mas havia mais de um e o irmão entrou
no errado. Meu avô chegou a nossa casa rindo e contou a história para minha
irmã. Em seguida recebeu a ligação do irmão que lhe disse: “Moracy, você está
cego, me indicou o ônibus errado”. Meu avô retrucou: “tu é que estás surdo, eu
falei que era o de trás”. Outra pérola aconteceu em casa novamente sob o
testemunho da minha irmã. Meu avô lavava a roupa na casa dele e trazia para
minha mãe passar. Minha irmã conversava com ele na cozinha sobre esse assunto
de lavar e passar roupa e minha mãe passou por eles e disse para ela falar
alto, pois ele escutava mal. Ele comentou com minha irmã que se tivesse um
ferro de passar na casa dele, ele mesmo passaria a própria roupa. Ela disse para
ele que minha mãe tinha dois ferros e podia emprestar um. Ele levantou e
perguntou para minha mãe “você tem ferro de sobra?”. Minha mãe respondeu que
esse assunto seria com meu pai. Meu avô perguntou “Como assim?”. Minha mãe
disse que o ferro de solda deveria ser pedido ao meu pai. Meu avô respondeu “tá
ficando surda, minha filha?”. E essas lembranças vão surgindo e enriquecendo
nossa memória. Bons tempos. Boas lembranças. Tava pensando aqui...
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